A Bíblia Sagrada é o livro mais vendido da história: estima-se que mais de 3,9 bilhões de exemplares já foram distribuídos no mundo, segundo a Sociedade Bíblica do Brasil. Traduzida para cerca de 3 mil idiomas, ela reúne dezenas de livros considerados sagrados por diferentes tradições religiosas. No entanto, mesmo sendo tão amplamente lida, a pergunta "quem escreveu a Bíblia?" segue sem uma resposta única — e depende da lente pela qual se analisa o texto: religiosa ou acadêmica.

Para os católicos, a Bíblia reúne 73 livros. Para os protestantes, 66. Os judeus consideram apenas os 39 livros do Antigo Testamento, enquanto os ortodoxos aceitam 78. Esse conjunto de textos foi escrito ao longo de séculos, e muitos deles têm origens orais, com histórias transmitidas de geração em geração antes de serem registradas.

Segundo o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a teologia confessional tende a defender a inspiração divina direta, enquanto a teologia acadêmica busca entender os contextos históricos e culturais em que esses textos surgiram.

O Pentateuco e a Torá

Os cinco primeiros livros da Bíblia — Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio — formam o Pentateuco (para os cristãos) ou a Torá (para os judeus). Pela tradição religiosa, são atribuídos a Moisés. Mas estudiosos como José Luiz Goldfarb, da PUC-SP, afirmam que os textos foram redigidos ao longo de mais de 600 anos, por múltiplos autores, reunidos por diferentes grupos religiosos entre os séculos 10 e 4 a.C.

A ideia de uma autoria única, dizem os especialistas, não corresponde à realidade da tradição oral, do estilo literário e da diversidade de vocabulário e conteúdo dos textos. Para o rabino Uri Lam, do Templo Beth-El, os livros foram canonizados por volta do século 4 a.C., embora ainda hoje haja debates sobre a formação do cânon.

O Novo Testamento e os Evangelhos

A autoria dos evangelhos — Mateus, Marcos, Lucas e João — é aceita por muitos estudiosos contemporâneos como sendo dos nomes que os identificam. Porém, há divergências. Os evangelhos surgem cerca de 30 a 40 anos após a morte de Jesus, e o primeiro deles seria o de Marcos, que não foi apóstolo direto de Cristo, mas provavelmente um discípulo de Pedro ou Paulo.

Os textos variam em estilo: João, por exemplo, tem uma linguagem mais simbólica e figurada; Marcos é direto e conciso. A autoria do evangelho de João ainda gera debates — alguns estudiosos acreditam que tenha sido uma obra coletiva, atribuída mais tarde ao apóstolo.

As cartas de Paulo e outros escritos

O apóstolo Paulo é responsável por grande parte das cartas do Novo Testamento. Escritas a partir do ano 57, suas epístolas buscavam orientar as comunidades cristãs. Algumas cartas, como a aos Hebreus ou as pastorais a Timóteo, podem ter sido escritas por seus seguidores, o que gera classificação como deuteropaulinas.

Já as cartas de Pedro, segundo Moraes, foram ditadas, pois o apóstolo não sabia escrever. A redação teria sido feita por um auxiliar, Silvano.

Uma obra coletiva e interpretativa

A ideia de autoria na Antiguidade era distinta da atual. Muitos textos eram atribuídos a líderes religiosos para ganhar legitimidade. O teólogo Moraes explica que a Bíblia é uma construção coletiva, composta por diversos gêneros literários e sedimentada ao longo de séculos.

Para o pesquisador Thiago Maerki, da Unifesp, a análise literária moderna ajuda a entender a complexidade do texto bíblico. Autores como Robert Alter propõem uma leitura que leve em conta estruturas, simbologias e estilos literários próprios de cada texto.

No fim, seja pela fé ou pela crítica acadêmica, a Bíblia continua sendo um objeto de fascínio, estudo e inspiração, cuja origem é tão múltipla quanto suas interpretações.